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09 janeiro 2013

Em Defesa de Cavém

09 janeiro 2013 1 Comentários
OPINIÃO



AVISO PRÉVIO: Texto longo

Cavém foi um futebolista de excepção no seu tempo e é um dos melhores futebolistas portugueses se sempre, contabilizando o futebol português – ou melhor, o futebol jogado em Portugal - cerca de 138 anos – iniciando a contagem em 1875, data da chegada a Portugal dos técnicos ingleses (e com eles as bolas e o jogo de Foot-Ball) para instalarem o Cabo Submarino (telecomunicações) entre Lisboa (Europa) e Nova Iorque (América).


Equipa da delegação do "Glorioso" em Vila Real de Santo António. Lusitano FC em 1950/51. Cavém (em baixo; 2.º a contar da esquerda) com o irmão Amílcar (em cima, 2.º a contar da direita)





Nascer no Algarve...
Domiciano Barrocal Gomes Cavém nasceu na acolhedora e soalheira Vila Real de Santo António, em 21 de Dezembro de 1932. Cresceu numa família de futebolistas. O pai Norberto Gomes Cavém, nascido em 3 de Outubro de 1904, é um dos pioneiros do futebol algarvio, jogando na delegação do Benfica local, o Lusitano FC – fundado em 15 de Abril de 1916 - e no SC Olhanense, o emblema mais prestigiado do Sotavento algarvio. Depois de intensa actividade como jogador, nos anos 20 e 30, tornou-se treinador do Lusitano FC nos anos 40 fazendo deste clube campeão do Algarve e colocando-o na I Divisão Nacional. Com dois filhos futebolistas, o mais velho Amílcar Cavém (nascido em 15 de Agosto de 1930) e o “nosso” Cavém, estes iniciaram-se num pequeno clube de bairro, o Celeiro FC, passando depois para o Lusitano FC. 

Craques do SC Covilhã. Em baixo: Amílcar e Domiciano Cavém. Em cima, ao centro: Fernando Cabrita, internacional português, natural de Lagos, famoso no SC Olhanense e dedicado treinador adjunto no "Glorioso" na década de 60

... e crescer na Beira Baixa
No início dos anos 50, a indústria conserveira local deixou de suportar o futebol, com os melhores valores a rumarem a outras paragens. Amílcar Cavém passou a jogar no SC Covilhã, em 1952/53, com o irmão Domiciano a segui-lo um ano depois. Foi a época de ouro do emblema serrano, suportado na indústria de lanifícios e lacticínios covilhanense, o clube conseguia ter no seu plantel alguns dos melhores futebolistas portugueses (como o internacional Fernando Cabrita) e jogadores estrangeiros. Foram duas épocas – 1953/54 e 1954/55 - de enorme progressão: Amílcar como médio e o “nosso Cavém” como avançado, essencialmente a extremo-esquerdo, onde se revelou goleador, mesmo tendo por principal função municiar o avançado-centro húngaro Simonyi ou os espanhóis Lóren e Martin. 

Cavém II como era designado pela Imprensa enquanto jogador do SC Covilhã. Cavém I era o seu irmão Amílcar
Ser eterno no Benfica
Estreou-se no “Glorioso” já ia a época de 1955/56 a meio, devido à problemática transferência da Covilhã para Setúbal ou para o Benfica, no 1.º de Dezembro de 1955, quando faltavam vinte dias para completar 23 anos, num jogo internacional particular com o Valência CF, no nosso anterior estádio, com Cavém a marcar aos 81 minutos o golo que nos deu a vitória por 3-2.


Afirmar-se na primeira época
Na primeira época esteve presente em 21 jogos, sempre a titular com vinte a extremo-esquerdo, marcando nove golos. No campeonato nacional participou em 13 encontros (num campeonato com 26 jornadas) marcando cinco golos. Apesar de poucos jogos – a titularidade no “Glorioso” não se obtinha… conquistava-se – revelou as características que o tornaram um dos melhores futebolistas portugueses de sempre.

Cavém na Catedral. Dois símbolos do Benfica
Nascer para ser futebolista
Era um atleta valente, lutador incansável e intrépido, de grande poder de remate, com ambos os pés ou com a cabeça. A sua agilidade natural, bem como a capacidade de interpretar bem o que se exigia a um avançado, permitiram-lhe destacar-se – desde muito jovem – como um atacante de grande valor. Como era ambidestro e bom cabeceador, jogava na esquerda ou na direita. Sabia antever a melhor posição para rematar ou recarregar uma bola transviada. Era exímio a avançado-centro, mas pecava por ser pouco… egoísta, preferindo endossar a bola a colegas melhor colocados em vez de rematar para o golo. No SC Covilhã deixou de jogar a avançado-centro, não porque não marcasse golos, mas porque em frente à baliza contrária preferia passar a bola a colegas que depois desperdiçavam assistências de “meio-golo”.
Com o tempo, os treinadores do “Glorioso”, vendo a sua aptidão inata para jogar futebol, com conhecimentos técnicos para cada lugar nas dez posições de jogadores de campo e rigor táctico para desempenhar qualquer função, foram recuando os lugares dentro da equipa, de avançado para defesa. Sempre a um nível de excelência. Só o calendário – inexorável, ano após ano – o “derrotou” e fez perder o lugar no Benfica, aos 36 anos!

O golo decisivo mais rápido (ainda hoje) em finais da Taça de Portugal
A quarta época em 1958/59 foi notável com o futebolista a marcar 27 golos em 48 jogos, conseguindo no Nacional da I Divisão com 26 jornadas obter 21 golos, colocando-se mesmo jogando a extremo-esquerdo como o terceiro melhor marcador do campeonato, a cinco golos do melhor goleador, o avançado-centro benfiquista José Águas. No final da temporada, em 19 de Julho de 1959, na final da Taça de Portugal, disputada no Estádio Nacional, marcou aos 13 segundos o golo da vitória, por 1-0, com o FC Porto, naquele que ainda é o “golo decisivo mais rápido em finais da Taça de Portugal” e também o golo mais rápido da nossa fabulosa história.

Um golão na segunda final dos Campeões Europeus
Em 1960/61 jogou a extremo-esquerdo, na final da Primeira Taça dos Clubes Campeões Europeus, disputada na capital da Suíça, em Berna, no Estádio Wankdorf, em que o “Glorioso” venceu, por 3-2, o FC Barcelona. Curiosamente na época seguinte, a sétima como futebolista do Benfica repartiria a titularidade entre extremo-esquerdo (com Simões) e médio-direito, jogando nesta posição na final da Segunda Taça dos Clubes Campeões Europeus, com o Real Madrid CF, na capital holandesa, Amesterdão, no Estádio Olímpico, marcando o 2.º golo (ver aqui), a colocar o resultado em 2-2, depois do Real Madrid CF ter usufruído de dois golos de vantagem.

Totalista na Taça dos Clubes Campeões Europeus
Em 1963/64, o Benfica cumpriu o seu jogo n.º 29, em cinco temporadas, na taça dos Clubes Campeões Europeus com Cavém a ser o único totalista ao ter participado em todos eles, desde a época de 1957/58!
Na última temporada com o “Manto Sagrado”, em 1968/69, actua apenas em dois jogos pela categoria de Honra, deixando no final da época o Benfica, e como jogador o futebol primodivisionário, aos 36 anos.



Cavém tem valores ao alcance de poucos em Portugal
Pelo Benfica em catorze temporadas na equipa principal ajudou o Clube a conquistar dezoito troféus oficiais: Bicampeão Europeu (1960/61 e 1961/62); nove campeonatos nacionais (1956/57, 1959/60, 1960/61, 1962/63, 1963/64, 1964/65, 1966/67, 1967/68 e 1968/69); quatro Taças de Portugal (1956/57, 1958/59, 1961/62 e 1963/64), ou seja, dois tricampeonatos e um bicampeonato, incluindo dois duplos (Campeonato e Taça de Portugal, na mesma temporada); e três Taças de Honra de AFL (1962/63, 1966/67 e 1967/68), para além do prestigiado Torneio Ramon de Carranza (Cádis/ Espanha), em 1963/64.

Mais de 500 jogos
Participou em 541 jogos, num total de 44 699 minutos, marcando 125 golos, ou seja um golo a cada 382 minutos: em 448 jogos não marcou, mas obteve golos em 93 jogos, um golo em 68 jogos, dois golos em vinte encontros, três golos em três jogos e quatro golos em dois jogos.
Enquanto futebolista da equipa de Honra do “Glorioso” efectuou 541 jogos, dos quais 535 como titular. Foi substituído em apenas dezanove jogos e suplente utilizado em seis encontros. Futebolista completo de grande polivalência, jogou essencialmente como avançado (245 jogos) salientando-se os 238 encontros a extremo-esquerdo, ou na defesa (201 jogos) com 197 encontros a defesa-direito, mas também no meio-campo (89) com 77 encontros a médio-direito.

Mais de 100 golos
Pelo SLB marcou 125 golos a 44 adversários diferentes, destacando-se catorze golos ao Vitória FC (Setúbal); oito tentos ao Atlético CP e Caldas SC; e entre outros, quatro golos ao Sporting CP, três tentos ao CF “Os Belenenses”, dois golos ao FC Porto, um tento ao Boavista FC, FC Barcelona e Hamburgo SV.
Dos 125 golos, 78 foram marcados no campeonato nacional, vinte na Taça de Portugal, dois na Taça de Honra de Lisboa da AFL e 21 em jogos internacionais a dezanove adversários, incluindo quatro na Taça dos Clubes Campeões Europeus e um na Taça Latina.
Marcou 95 golos com os pés e 30 de cabeça. Quinze golos foram obtidos de “fora da grande-área” e 110 dentro da mesma, com 26 a serem concretizados após lances de “bola parada” e 99 em jogadas de “bola corrida”.


Cavém (em cima, 3.º a contar da direita) entre os seus pares, Glórias do Benfica e do Futebol Português
Polivalência a quanto obrigas!
Nas seis épocas iniciais (1956/57 a 1960/61) no “Glorioso” com 247 jogos e 23 920 minutos jogados, marcou 115 golos, ou seja um golo a cada 208 minutos. Nas oito épocas seguintes jogaria 20 779 minutos em 294 jogos, marcando apenas dez golos, isto porque foi recuando no terreno acabando por ter tarefas mais defensivas, mas o Benfica beneficiava também do seu valor fazendo de Cavém um futebolista de grande utilidade, por que mesmo marcando poucos golos era um atleta capaz de desarmes decisivos e fantásticas assistências para golo, impulsionando as equipas para vitórias e o Clube para conquistas importantes, num defesa com vocação e eficácia atacante!

Faleceu aos 72 anos
Pela selecção nacional esteve presente em dezoito jogos internacionais marcando cinco golos.
Após deixar o “Glorioso” no final de 1968/69 treinou o GD “Os Nazarenos”, seguindo-se o Ginásio Clube de Alcobaça, o GD Moimenta da Beira, o SC Covilhã, o GD Bragança e o SC Régua. Sem perspectivas de poder treinar clubes da I Divisão afastou-se do futebol, conseguindo um emprego na Câmara Municipal de Alcobaça.
Faleceu, em 11 de Janeiro de 2005, aos 72 anos. Mais uma estrela daquelas que mais brilham no firmamento do “Quarto Anel”!

Cavém um nome eterno do futebol em Portugal

Alberto Miguéns

NOTA: Depois de amanhã, no EDB, em destaque os 100 golos e os 329 jogos no Campeonato Nacional, em homenagem a um centenário - em golos no 1.º escalão - do futebol português
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