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05 setembro 2017

Era Uma Vez o Vermelho

05 setembro 2017 6 Comentários
HÁ PRECISAMENTE 52 ANOS (A COMPLETAR POR VOLTA DAS 15:30 HORAS DA TARDE DE HOJE) DESCOBRI QUE O BENFICA ERA VERMELHO.


E foi na Figueira da Foz. E foi através dos ciclistas. No fundo os ciclistas do "Glorioso" nos Anos 60 foram para mim o que José Maria Nicolau foi para muitos portugueses nos Anos 30.

NOTA INICIAL: Mais do que assinalar a data, uma homenagem ao meu pai que partiu deste Mundo muito cedo. Provavelmente para o "Quarto Anel". Não ligando a clubes e ao Futebol, antes pelo contrário, acabou por ser ele a dar-me a "notícia" que o Benfica equipava de vermelho.

Parece mentira mas é verdade!
Pode-se perguntar? Como é que se consegue conhecer o dia e ainda para mais a hora (mais ou menos) em que se sabe que o Benfica equipa de vermelho? Sabe-se por uma série de coincidências que tornaram possível localizar no tempo esse momento. Antes de mais a grandeza do Benfica. Depois a impressão que o Clube causava numa criança que vivia longe da Sede/cidade/estádio do "Glorioso". Finalmente - e isso é que torna tudo isto possível - a existência de um fogo nas proximidades do evento precisamente enquanto decorria a competição.

Sempre soube que foi naquele momento
Embora durante anos - quarenta! - não soubesse a data (ano, mês e dia) muito menos a hora. A história é fácil de contar. Para mim é deliciosa porque consigo localizar (no tempo e espaço) a "descoberta" do traje deslumbrante da "Grande Namorada", ao vivo e a cores (literalmente). Vivia na Figueira da Foz - entre Novembro de 1962 e Maio de 1967 - e naquele dia o meu pai lembrou-se de me levar com ele para «ir ver os ciclistas no Circuito da Figueira». Descemos do "bairro da Estação/Casal do Rato" onde vivíamos e ficou em frente à estação ferroviária da cidade foz do rio Mondego. Colocou-me às "cavalitas" (sentado nos ombros dele) e eis que diz, quando uma mancha colorida, predominando o vermelho, surgiu rápida na rua do cais. «Tens muita sorte! O Benfica vem à frente!». Eu incrédulo respondo «O Benfica é vermelho?!». Ele olha, por cima do seu ombro, pelo lado direito e responde: «Deves ser a única pessoa que não sabe que o Benfica é vermelho»! Lembro-me como se ainda fosse hoje. Passados 52 anos! Nunca mais me esqueci. Curiosamente quando falava com ele acerca deste episódio de uma vida, o meu pai não se lembrava da conversa.  Entretanto ouvem-se as sirenes dos bombeiros e estes rápidos dirigem-se para lá da estação dos comboios onde se via muito fumo. O meu pai (a idade jovem não perdoa) opta por ir ver o fogo e abandonar os ciclistas. Eu lembro-me de ir contrariado, mas nada a fazer. "Manda quem pode, obedece quem deve"! O meu pai não se lembrava da conversa, mas sabia de termos ido ver os ciclistas e do fogo. Pois!


A surpresa sem a ser
O meu pai pode ter ficado surpreendido com a minha ignorância, mas eu via o Benfica em televisões a preto-e-branco (sei que via - assim me dizem, pelo menos a final da Taça dos Clubes Campeões Europeus, em 27 de Maio de 1965, frente ao FC Inter Milão - mas não tenho memória de ver qualquer jogo do Benfica nas televisões enquanto vivi na Figueira da Foz) e se via fotografias era nos jornais, também, a preto-e-branco. Os «cromos dos caramelos» (por que coloridos) seriam a possibilidade de saber que o Benfica era vermelho, mas era "coisa de meninos ricos". Eu vivi na Figueira da Foz, num bairro periférico de gente pobre e problemática, entre os dois e os seis anos!


Saber de "como e onde", mas ignorar "quando"
Apesar de nunca ter esquecido o episódio, era difícil (nem tinha interesse) saber, até, o ano. Seria entre 1964 (eu com três/quatro anos) e 1966 (cinco anos). Se fosse em 1966 teria de ser antes de Maio, pois data desse mês a ida para viver em Lisboa. O tempo passou e falava do momento, onde estava e como soube através dos ciclistas, sem saber quando!


Em 2006 surgiu a oportunidade de localizar com precisão o momento
Aproveitei o facto do Ciclismo do Benfica completar o Centenário (3 de Junho de 1906) e ao fazer a Gloriosa História do Ciclismo tive atenção redobrada com a participação do "Glorioso" no Circuito «José Bento Pessoa», em 1964 e 1965. Descartei 1966 pois apercebi-me que sendo a competição um "Clássico" do ciclismo português era realizada depois da «Volta a Portugal», ou seja, no início de Setembro. O ano de 1966 estava de fora pois em Setembro de 1966 já vivia em Lisboa. O ano de 1963 estava fora de questão - teria dois anos em Setembro - sendo praticamente impossível uma criança com dois anos e meio lembrar-se de uma conversa. Embora envolvendo "Benfica" tudo seja possível. Isolando 1964 e 1965 a "chave do êxito" estava em encontrar a data exacta do evento num jornal desportivo (seria fácil) e localizar o fogo num jornal generalista (pensava ser difícil). E assim foi. Saber a data do Circuito. Foi fácil. Saber o ano do fogo. Afinal também foi fácil. Em 1964 nada se disse acerca de um fogo, em 13 de Setembro. Já em 1965 foi possível localizar o fogo. O circuito foi em 5 de Setembro e o fogo «para lá da Estação dos comboios» também foi a 5. O "Diário de Notícias" não deixa dúvidas.



Tendo o início pelas 15:30
Do dia 5 de Setembro de 1965, a "cabeça do pelotão" demoraria um minuto ou dois a chegar ao princípio da rua do Cais (actual avenida Saraiva de Carvalho). Não há a certeza (nunca há em Portugal) é que a competição tenha tido início pelas três e meia da tarde "em ponto". Exactamente às 15:30 horas.


Resumindo e concluindo
Andei anos sem saber (a data e hora) e iludido, acabei desiludido. Sempre pensei que o Benfica tivesse vencido a competição. A idade do meu pai (27 anos, em Setembro de 1964) fez com que optasse pelo fogo. Eu sem ter visto o fim, pensei sempre que este tivesse sido igual ao início. O Benfica na frente. Mas não foi. Resta a consolação do Benfica (António Pisco) ter vencido o maior número de voltas, vinte, quer na meta (avenida da República) quer no "peão" (avenida do Cais, sem casas desse lado). Este, precisamente, a rua do Circuito onde descobri que o Benfica é vermelho.




Trocava a descoberta do "momento exacto" pela vitória no Circuito!

Alberto Miguéns

NOTA FINAL: Como ele ia rir-se desta história num blogue. Quando nem internetes havia "no tempo dele". Vai voltar a rir-se a minha mãe (que também andava por perto nesse dia embora só se lembre da multidão para ver os ciclistas e do fogo. Sempre o fogo). Tal como quando viu, quarenta anos depois, o "comprovativo" em forma de fotocópias em papel dos jornais. E lembra-se de ter que responder à "minha exigência": «Quero uma camisola de lã vermelha». E teceu-a com as mãos e duas agulhas! Ou "fez malha" como se dizia na época! E há fotografias dela. Bem linda. Ou não fosse vermelha debruada a branco. Pena as fotografias serem a preto-e-branco. Tudo a branco, preto e cinzento. Como o País. Como é que eu havia de saber que o Benfica era vermelho!
6 comentários
  1. Belo pedaço de arqueologia familiar.

    Não tenho uma história tão bonita. Provavelmente descobri que o SLB era vermelho porque nos anos 70 o meu Pai me comprava de vez em quando umas pastilhas grandes muito finas que tinham a envolve-las cromos de futebol. Fiquei sempre com ideia de que uma delas era de Malta da Silva, vestido de vermelho e branco. O Benfica seria assim vermelho. Seria mas não tenho a certeza. São reminiscências, nebulosas, vagas, nunca certezas. Terá sido esse o meu baptismo do vermelho? Ao certo não sei. O Alberto tem mais sorte pois sabe bem como foi esse baptismo.

    Mais tarde o baptismo de Catedral num jogo que penso ter sido contra o União de Tomar. Terei visto Vítor Batista, Néné, Humberto e Jordão. Terei mas ao certo não sei. Também nisso o Alberto tem mais sorte. Mas o Alberto sabe que no dia do seu baptismo o SLB não venceu e eu sei que das hipóteses que eu tenho, eu sei que o SLB venceu!

    Benfica e arqueologia pessoal. Magnífico sentimento. Associação perfeita. Com alegria e sem nostalgias.

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  2. Mais uma história deliciosa.
    Muito obrigado por partilhá-la publicamente.

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  3. Ao ler este conto real vieram-me as lágrimas aos olhos, primeiro porque a localidade diz-me muito, a minha familia era de Tavarede, mas trabalhavam também no campo na Salmanha.
    Segundo porque o meu avô apesar de um Sportinguista envergonhado, foi um atleta excepcional em várias modalidades na Figueira da Foz, tendo practicado várias modalidades no Ginásio clube Figueirense que por ironia do destino equipou sempre de vermelho e branco!
    Terceiro porque o senhor meu avô que já não está entre nós chegou a ganhar uma das primeiras voltas a Figueira da Foz em bicicleta.
    Quarto porque também a minha avó que na altura tecia os equipamentos para várias modalidades do clube, também teve que tecer um cachecol vermelho e branco, pensando ela que era para apoiar o Ginásio clube Figueirense, quando era maioritariamente utilizado para celebrar as vitórias do meu Benfica!

    Excepcionalmente assinarei com o nome de um grande desportista que é só conhecido na sua terra e mal como muitos outros em várias outras localidades do País!

    Vai D'arrinca, Zás-Trás!!

    Mário Ferrreira

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  4. Clap, Clap, Clap, sempre interessante os artigos do seu blog, Obrigado.

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  5. Desta vez o Miguéns historiou com lupa a sua meninice.
    Bela história e com fogos à mistura.

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  6. Fabulastico, sem palavras para esta beleza de uma história de uma vida real, e sem duvida que o Sport Lisboa e Benfica é Vermelho sem igual

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